Bem Vindo

Bem vindo a este blogue sobre a interacção das motos com a minha vida.

Após anos de participação em Sites e Foruns de Motos e Motociclistas, fiquei farto.

Decidi assim criar este blogue, que é como quem fala consigo mesmo mas deixa que outros o oiçam.


quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Rumo ao Cabo Bojador - Parte III

Dia 4

O dia nasceu limpo e com um Sol magnifico sofre a praia de El Ouatia. Um bom pequeno almoço e um passeio pelo paredão, seguidos pela já eterna rotina de carregar as motos e prepará-las para partir.


Verificação das pressões dos pneus, repor os níveis de óleo nas que precisavam e assim nos despedimos El Ouatia ou Tan Tan Plage.

E estamos de novo no imenso deserto, finalmente a caminho do Cabo Bojador.

Uma despedida conjunta a El Ouatia. Até um dia.


O caminho leva-nos de novo pelas altas falésias atlânticas.




De vez em quando uma paragem para beber água, fumar o cigarro da ordem e tirar uma fotos,



algumas com pretensões a profissional ou artista,




outras que talvez consigam explicar melhor que as palavras a grandiosidade da imensa solidão e aridez desta terra perdida




e outras ainda daquilo que já todos ouviram falar ou acerca do qual leram, mas nunca viram. Um imenso deserto de sal que se espraia por muitos quilómetros lá no horizonte.




Outras serão simples e meros registos de que um dia por lá passámos, e farão parte do álbum de gratas recordações.





Tarfaya, antigamente chamada Villa Bens cruza-se no nosso caminho. Cidade perdida mas no entanto famosa. O seu forte Dar Mar ou Casa Mar terá aproximadamente 200 anos, sendo portanto anterior á própria Tarfaya.

O Atlântico fustiga-a de um lado com portentosas ondas, do outro Sahara castiga-a com imensas ondas de areia que ameaçam engoli-la um dia. As dunas na costa têm uma altura impressionante.



Pouca gente aqui vive, não há alojamentos à excepção de um parque de campismo(?????) e para comer só os cafés locais.




O que torna esta vila conhecida mundialmente é o monumento ao famoso piloto e escritor Antoine Saint-Exupéry que aqui cumpriu serviço militar nos anos 20. Existe um pequeno museu em sua memória que merece ser visitado.



Não partimos sem fazer mais um amigo, que lá ficou com mais um boné da TMN e algumas canetas.





A próxima etapa é Layoune ou El Ayun, última cidade de Marrocos antes da fronteira com o Sahara Ocidental.

Um inimigo com que não contávamos de todo, decidiu atormentar-nos a partir daqui. O vento.


Um vento uivante e fortíssimo que fazia condução moto um suplício constante, obrigando-nos a circular com inclinações da ordem dos 15º em relação ao solo, mas com o corpo direito. As dores nas costas cedo surgiram e já não sabia em posição colocar o pescoço.

















E a areia rodopiante levantada do alto das dunas cobria a estrada e entrava pelo capacete e dançava freneticamente dentro da viseira em frente dos olhos semicerrados. Havia areia na boca, nos olhos, nas narinas. A condução tornou-se deveras perigosa com a estrada coberta de um manto fino em movimento.



Uma visão inesperada no meio da aridez fez-nos logo pensar nas famosas miragens. Seria?

Não era, ficou na foto. Um magnífico verdejante oásis de águas límpidas e cristalinas.




Ao longe as portas Layoune. Engraçada esta mania de todas as cidades terem algum tipo de monumento a que chamam portas, mas para quem vem do nada, do vazio, é reconfortante avistá-las.





Não paramos agora para ver Layoune. No regresso faremos uma paragem porque queremos chegar a Boujdour ainda de dia se for possível. Cerca de 30 km depois e sempre fustigados pelo inclemente vento, chegámos a Layoune Plage e às suas inevitáveis portas.






Paragem técnica para lubrificação das correntes carregadas de areia e salitre,








e para abastecer os depósitos. Aqui já não há esses requintes das gasolinas 95 e 98 sem chumbo. Aqui há a velha Super, nem sabem quantas octanas tem mas a cor é bem esquisita. Um amarelo muito pálido faz-nos duvidar que aquilo seja sequer gasolina. Meio desconfiados lá atestamos os depósitos. O preço também é para rir. 59 cêntimos o litro, e é mais barata que no resto de Marrocos. Afinal já estamos no Sahara.


Tudo pronto é tempo de partir para a estirada final. Duvido que vamos conseguir chegar ainda de dia. O vento e os controlos policiais e do exército que são mais que muitos a partir daqui, vão-nos atrasar irremediavelmente.



Partimos. A paisagem que se nos depara é cada vez mais árida e cada vez são menos os veículos com que nos cruzamos. Até Boujedour não existem mais povoações.

Sinais de trânsito no mínimo estranhos, vão-nos aparecendo pela frente servindo de momentos de risota e descontracção enquanto se aproveita para descansar as pernas e o pescoço que continua a sofrer com a agonia do vento.


Mais à frente os ilustres representados nos sinais fazem a sua aparição na estrada. São dezenas deles, selvagens e em plena liberdade, mas parecendo não se incomodar muito connosco nem com as motos e o seu barulho. Já devem estar habituados a ser atracção principal de quem por aqui passa.




Para gerar alguma animação há que entrar pelo deserto e persegui-los um pouco. Mesmo assim não perdem aquele ar aborrecido e enfadado como dizendo "qual é a destes? grandes melgas". Mas depois de bem "motivados" lá se põem em fuga.





Ao contrário das minhas previsões mais pessimistas, ao pôr do sol chegámos às portas da Cidade de Boujedor. Magníficos monumentos em duas enormes colunas guardadas por dois espadartes e duas avestruzes de grande envergadura.




Deste ponto até ao centro da cidade ainda são 8 km e entramos nela já de noite. De passagens por ali de amigos, tinha algumas referências de onde procurar alojamento. Os Hotéis aqui não são classificados em Estrela como no mundo civilizado. Aqui a classificação e feita em "Baratas". Sim, leram bem, baratas, aqueles horríveis insectos rastejantes que todos abominamos.

Tivemos sorte, e escolhemos entre os dois existentes, o de gama alta, 5 Baratas, porque tinham casa de banho privativa. Isto foi o que o recepcionista disse porque na realidade tivemos que partilhar a casa de banho com as centenas de baratas lá residentes.

Bom, motos paradas, arrumadas e carga colocada nos quartos, lá fomos procurar onde comer. Subitamente uma voz em Inglês interrompeu as nossas cogitações e deparámos com um Europeu que nos perguntava de onde éramos e se queríamos jantar.

Ali vivia aquela alma, bem perguntámos porquê, mas nunca obtivemos uma resposta concreta, e era dono de um Bar e Restaurante mesmo ali ao lado.

O local era bem agradável, os camarões, as lulas e os bifes de camelo estavam uma delicia, e melhor ainda a cerveja Heineken de pressão que disse importar directamente da Alemanha. Demos um bom desbaste no barril.



Com os estômagos bem tratados, e depois de ligar à família e aos amigos anunciando a chegada ao destino, lá fomos direitos ao "fabuloso" Mades Hotel para uma boa noite de sono e descanso.




Quando ao entrar no quarto acendemos as luzes, desencadeou-se uma fuga desordenada de dezenas de baratas, pelo chão, pelas paredes, pelos parcos móveis. Tomei então uma decisão drástica. Em vez de abrir a cama e de me deitar, vesti o casaco e levantei bem a gola, coloquei o gorro de lã na cabeça, botas de cano alto com as calças lá bem enfiadas, luvas de conduzir calçadas, e assim me atirei para cima da cama. Adormeci nesse segundo.






Dia 5






Cabo Bojador, Cap Boujdour, رأس بوجادور , "Abu Khatar" que signica "the father of danger".





O Cabo Bojador situa-se na costa do Saara Ocidental nas coordenadas 26° 07' 37"N, 14° 29' 57"W. A primeira passagem pelo Bojador deve-se a Gil Eanes em 1434. O desaparecimento de embarcações que anteriormente o tinham tentado contornar levou ao mito da existência de monstros marinhos e da intransponibilidade do Bojador.





O Bojador é referido na Mensagem de Fernando Pessoa com os célebres versos:




Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!


Por te cruzarmos, quantas mães choraram,


Quantos filhos em vão rezaram!


Quantas noivas ficaram por casar


Para que fosses nosso, ó mar!



Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador


Tem que passar além da dor.


Deus ao mar o perigo e o abismo deu,


Mas nele é que espelhou o céu.



Dormi bem mas dormi pouco. O Sol entrando a rodos pela janela aberta que permitia um vislumbre da cidade, acordou-nos muito cedo.m



Das nossas indesejadas companheiras de quarto não havia agora sinais. A água castanha que saía das torneiras velhas e ferrugentas estava fora de questão pelo que usei a última garrafa de água para a higiene matinal, arrumei a pouca tralha espalhada e desci com o Rogério, o meu companheiro de quarto. Dos outros dois companheiros, nem sinal de vida.

Do outro lado da rua uma Patisserie piscou-nos o olho para o pequeno almoço.


Um kilo de diversos bolos e croissantes acompanhados de uns sumos engarrafados, finalizados com dois cafés, que até não eram nada maus, preparou-nos para uma visita à cidade.

Não havia azáfama nas ruas. Pouco movimento, pouca gente, poucos veículos.


Land Rovers carregados com mercadoria própria da zona




O fantástico Farol do Cabo Bojador





A longa avenida que nos leva ao promontório e ao mar






E finalmente o destino foi cumprido junto ao Monumento a Gil Eanes. O objectivo desta aventura e viagem estava cumprido.



Monumento singelo que ninguém sabe bem explicar a origem, encontra-se hoje num estado de degradação preocupante, e ninguém lá pelo nosso país parece preocupar-se com isso. Mas deviam. É uma homenagem à coragem de um punhado de homens, afinal de um povo.

Olhando ao longe a vastidão do oceano neste local da nossa história, parece-me vislumbrar a uns 573 anos de distância, umas pequenas velas de um pequena nau cheia de incipientes marinheiros assustados pelos míticos monstros marinhos.

Das muralhas de cimento do porto de abrigo já meio partidas pela fúria do mar, avista-se a costa que corre na forma de imensa praia em direcção á Mauritânia, aqui já tão perto.

Para norte, a cidade e a praia onde se abrigam centenas de pequenos barcos da comunidade piscatória local.




Pouco ou nada mais Boujdour e o seu Cabo têm para nos oferecer e decidimos partir para o Norte afim de visitarmos algumas cidades na costa que não conhecemos.


Despedimo-nos do Cabo Bojador com nostalgia mas com a satisfação de um objectivo alcançado. Aquele local mítico que fazia parte do nosso imaginário desde crianças, era agora uma memória vivida.

Com mais umas fotos junto ás Portas da Cidade iniciámos o regresso a casa.







Fim da Terceira Parte

1 comentário:

Anónimo disse...

Eles falam francês ou português neste lugar? Vocês são portugueses? Muito interessante esta viagem, e bastante corajosa também.