- Epá este ano apetecia-me ir dar uma volta por aí.
- Por onde?
- Sei lá, por aí. Por um sitio giro.
- Europa?
- Não, para ir andar de mota para a Europa vou na Segunda Feira de manhã para a Segunda Circular que vai dar ao mesmo.
- Então? Marrocos?
- Também já está um bocado visto, mas sempre é melhor que a Europa.
- O que é que há mais para baixo?
- Mais para baixo? O Sahara Ocidental, a Mauritânia, o Senegal.........
- Sahara Ocidental??? O que é que há lá para ver ou fazer?
- Nada de especial, deserto, mar, deserto, mar e o Cabo Bojador.
- O Cabo Bojador??? Era capaz de ser giro. Será que 8 dias dão para ir e vir?
- Se calhar até dão. São 2.500 km para ir e outros tantos para voltar. Sei lá....
12.00 horas do dia 11 de Maio de 2007 , Área de Serviço de Palmela.




Em pouco mais de um mês tudo foi minuciosamente preparado, até se compraram as motos que faltavam para esta aventura. Ah pois, a Super Téneré e uma das Africas Twin foram apressadamente adquiridas e revistas para participar nesta viagem.
Todo o trajecto foi escrupulosamente estudado e planeado, etapas diárias, horas de partida e chegada, locais a visitar, pistas do deserto a vencer. Com questões menores (???) como Hotéis e Restaurantes nem sequer nos preocupámos.
Inicialmente tínhamos combinado partir no dia 12 de Maio bem cedinho, passar para Marrocos e ir dormir algures depois de Tânger, mas com jeitinho lá tínhamos conseguido sair um dia mais cedo.


Viagem rápida para cobrir as 16 milhas que separam Tarifa de Tânger e às 10.45 horas estávamos a desembarcar. Como Marrocos não aderiu á Convenção Horária Internacional, aqui estamos novamente na mesma hora de Portugal.
E é precisamente aqui que começa o caos. Papel amarelo, papel azul, papel verde, sobe ao 1º andar para registar o passaporte quem nunca antes cá esteve, vêm os eternos "emplastros" que se dispõem a tratar de tudo em troca de uma nota, os agentes da Alfândega e da Polícia arrastam-se literalmente. Aqui não há pressa e é preciso compreender isso para que o stress não nos invada.

Finalmente, e sempre nas calmas, toda a burocracia está tratada, há que trocar alguns euros por dirames na casa de câmbio que ainda se encontra aberta à saída do porto. São 11.50 horas.
Atravessar Tânger de noite para quem não conhece bem não é pêra doce. Só lá tinha estado uma vez de passagem, também de noite, e a memória era fraca. O nosso destino ficava a cerca de 15 km para Sul na direcção da auto estrada para El Jadida a sul de Casablanca.
Lá fui rodando calmamente pela via rápida que sai da cidade mas ao fim de algum tempo achei que estava perdido, que já tinha passado o cruzamento para o hotel. Circulávamos numa via rápida de duas faixas para cada lado, limitadas por um separador central em cimento com cerca de 1.5 metros de largura por 35 centímetros de altura. No primeiro acesso que encontrei, inversão de marcha ao encontro de um polícia de estrada por quem tínhamos passado uns minutos antes.
Começa aqui a primeira peripécia. Chegados ao agente encostámos na berma, e solícito veio ter connosco.
- Bom soir mom ami. Nos voulons aller au Hotel Ibis.
- Mais non, cést par la. Vous etés bien a loutre couté.
- Et maintenant?
- Pas de probleme. Suivez moi.
E dito isto o nosso bom amigo avança para o meio da auto estrada com o bastão vermelho em frenética agitação e manda parar completamente o trânsito.
- Allez, allez vite, vite, monte ici, diz ele apontando para o separador de cimento. Não nos fizemos rogados, atravessámos as faixas e subimos para o separador de cimento.
Manda avançar o trânsito com apitos e gestos, passa para as outras faixas e repete a operação de imobilização do trânsito.
- Allez, allez, vite, vite. 5 kilométres ne oubliez pas. Bonne nuit, bonne nuit.
- Merci monsiur, merci beaucoup, bonne nui, bonne nuit e lá íamos de novo a caminho. É mesmo outro mundo isto, outra dimensão, outra realidade.
Calmamente e ao fim dos tais 5 km lá estava o Hotel Ibis Moussafir Tânger, final da nossa primeira etapa.
Mais uma tonelada de papéis para preencher, passaportes para lá e para cá, retirar a tralha toda das motos, sacos, malas, bidons, GPS, câmera de filmar, trancar bem as direcções e colocar os cadeados, levar tudo para os quartos, comer umas belas (?????) tajines no restaurante, e finalmente uma boa noite de sono.
O cansaço era tanto que nem me lembro bem de ter adormecido. Tive tempo para ligar para casa e marcar no telemóvel as horas de despertar no dia seguinte.
Dia 2
Lá muito ao longe um toque chato, irritante e persistente teima em trazer-me de volta seja lá de onde é que eu estava. São 7.00 horas e há que levantar porque hoje são mais 870 km até Agadir, o próximo destino.
Banho tomado, equipamento vestido, um bom pequeno almoço e toca a arrumar de novo a tralha toda nas motos. Não é fácil colocar tudo com estava, parece que o material inchou ou se multiplicou, e o cansaço também não deixa vontade de grandes correrias.

Temos um posto de abastecimento mesmo ao lado do Hotel e há que atestar os depósitos que estão quase vazios. Aqui a gasolina ainda é mais barata que em Espanha e em termos de qualidade o fantástico motor da GS não se queixa minimamente. O depósito de 41 litros da Touratech que lhe montei leva 39 litros desta vez. Tenho agora autonomia para perto de 750 km à velocidade prevista para a etapa.

Estamos finalmente a andar, são 9.00 horas o Sol brilha e o tempo está óptimo. Á minha frente um Mercedes que já não sabia a idade, transporta no tejadilho uma carga mais própria para um comboio que para um carro. Vai lá a família toda.
Portagem paga e eis-nos na auto estrada. Boa pista. Há que ter em atenção os avisos que nos fizeram os amigos. Muito cuidado com a velocidade porque o controlo aqui é constante e não há tolerâncias. 120 km/hora e nem mais um. O GPS marca 110 km/hora de velocidade real e o conta quilómetros da moto marca um pouco menos de 120 km/h. Vamos bem mas a monotonia é tremenda. A estrada é boa, a paisagem é grandiosa e os altifalantes do MP3 cantam dentro do capacete.
De vez em quando uma daquelas necessidades urgentes e prementes lá nos fazem parar num qualquer local da AE onde os rails não existem. Aproveita-se a paragem também para um cigarro, esticar as pernas e aliviar as costas.
Finalmente e perto de El Jadida termina a enfadonha e monótona auto estrada, cuja rotina só é quebrada de quando em quando pelas patrulhas da polícia que de radar em punho se colocam quase a meio da estrada para medir a nossa velocidade. Tudo bem, passamos por eles, levantamos a mão num cumprimento e recebemos em troca uma continência e alguns acenos e sorrisos.
Começa agora verdadeiramente a viagem. Atravessamos vilas (????) onde o cheiro é nauseabundo e o esgoto corre directamente para a rua, onde centenas de pessoas se deslocam mesmo pelo meio da estrada, misturadas com cães, burros, cabras e cavalos.
Aproveitamos de quando em vez para parar e fazer felizes algumas crianças a quem vou dando algumas das 200 esferográficas que levo comigo. Não há nada no mundo mais puro e mais bonito que o sorriso de uma criança.
Os desgraçados dos meus companheiros, com os seus míseros depósitos lá têm que parar para abastecer de 200 em 200 km e aproveita-se também para confraternizar com os locais, ou melhor, para ser constantemente cravado em tudo o que seja possível.
Sidi Smaine, Zemara, El Rhoal, Et Tleta de Sidi Embarek, a Oeste fica Safi que gaurdamos para o regresso, Sebt Gzoula, Et Thine Riat, Souk El Had Du Draa, Ounara, cruzamento na N1 com a via da direita a seguir para Essauira, mas vamos pela esquerda, passamos junto ao Aeroporto a caminho de Smimou. Sempre para Sul, Tamanar onde começa uma fabulosa estrada cheia de curvas a subir uma montnha em direcção aTamri, agora sempre junto ao mar a caminho de Agadir, passando por Arhoud, Tamrakht Ouzdar, Anza e finalmente Agadir lá ao fundo e toda iluminada. É noite. Entramos na Avenida Mohamed V vibrante de luz, de trânsito, de confusão. Tinha programado no GPS um ponto na Praia de Agadir e quando ele me mandou virar à direita uma barreira policial impedia o acesso. Parei, dirigi-me ao polícia (felizmente o meu francês falado não é tão mau como o escrito) e expliquei-lhe que queriamos ir jantar à Marginal de Agadir. Começou então, simpático e solicito a tentar explicar-me que...........duas rotundas, três rotundas, três voltas à direita mais duas à esquerda.......e de repente ao olhar para mim e ver o meu ar e o meu sorriso amarelo, desistiu, andou uns metros, abriu a barreira e começou "allez, allez, vite, vite" e nós nem olhámos para trás. Os agradecimentos da ordem e lá íamos por uma estrada só para nós e para os peões direitinhos ao mar lá ao fundo.
Um restaurante com uma bela esplanada exterior, chamou-nos a atenção e toca a estacionar as motos mesmo junto à referida esplanada. A fome era negra e a sede ainda maior.

Garçons de fato escuro e lacinho, guardanapos e toalhas de pano, velas nas mesas e.........cerveja, fantástica cerveja. Esta é a zona turística e internacional de Agadir, e aqui o "pecado" é permitido. Toca a virar nelas e a tirar a barriga de misérias.
Belo jantar, com a fome que tinhamos tudo era bom, excelente ambiente, e só uma coisa nos intrigava. Por trás da nossa mesa havia uma entrada para o interior, e o rodopio de beldades bem vestidas era constante. Chegavam táxis que as despejavam e rápidamente passavam por nós e entravam, outras saíam acompanhadas e rápidamente entavam nos táxis. Está-se mesmo a ver o que era, não está?

Depois do magnífico repasto e de não sei quantas canecas, o Garmin GPSmap 278 lá nos levou certinhos ao Hotel Ibis de Agadir onde conseguimos com facilidade quartos para todos. Mais uma vez o ritual de ligar para casa, marcar a hora de despertar e cair na cama já a dormir. Visitar Agadir ia ficar para o regresso com mais tempo e calma.
Fim da Primeira Parte
1 comentário:
Grande aventureiro o meu amigo, espetacular.
Abraço
pcatita
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